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voltarPandemia: que mudanças no mercado de trabalho vieram para ficar?
OIT antecipa que, no segundo semestre, 195 milhões de empregos terão sido destruídos por causa da pandemia, principalmente nos países onde impera a economia informal. Nos países atingidos, pouco mais de um terço dos trabalhadores possui proteção social.
Ninguém pode antecipar como estará o mundo quando a pandemia de Covid-19 passar – mas os impactos da crise no mercado de trabalho já são históricos. Nunca, em tão pouco tempo, houve uma destruição tão violenta de empregos. Jamais a precariedade da economia digital se mostrou tão às claras. Os milhões de trabalhadores em home office obrigam as empresas a se adaptar à força a uma tendência que veio para ficar.
"Devemos pressupor que essa ruptura deixará cicatrizes no funcionamento do mercado de trabalho”, resume o economista Yannick L’Horty, da Universidade Paris-Est-Marne-la-Valée, pesquisador do tema. "Estamos no meio do choque e ainda não temos como avaliar o que será permanente a partir do que estamos vivendo agora. É uma circunstância totalmente inédita.”
A Organização Mundial do Trabalho (OIT) antecipa que, no segundo semestre de 2020, 195 milhões de empregos terão sido destruídos por causa da pandemia, principalmente nos países onde impera a economia informal. A crise revigora a antiga discussão sobre o tamanho do Estado: nos países atingidos, pouco mais de um terço dos trabalhadores possui proteção social.
"Há uma perspectiva muito séria de termos a maior crise social em décadas. Temos de estar preparados”, adverte o economista Thomas Coutrot, cujas pesquisas são focadas no impacto da globalização no mercado de trabalho. A chamada “uberização da economia” mostrou seus limites: de um dia para o outro, milhões de trabalhadores se viram sem renda por conta das restrições de deslocamento impostas para conter a expansão do coronavírus.
“Na França, que tem um dos melhores sistemas de proteção social do mundo, mais de 1 milhão de autônomos estão completamente excluídos da assistência do Estado. A curto prazo, é urgente viabilizar uma renda mínima para esses trabalhadores, sem medo de se endividar nesse momento de crise aguda. Se não, teremos não apenas o problema de aumento de fome e da miséria, mas também uma espiral recessiva, depressiva, que vai se prolongar por muito tempo”, ressalta Coutrot.
Menos flexibilização?
L’Horty nota que a crise do coronavírus resulta, desde já, na revalorização das políticas de proteção do emprego – que vinham sendo cada vez mais decepadas mundo afora. "Países como os Estados Unidos e o Brasil, que consideraram que isso favoreceria a diminuição do desemprego estrutural. No entanto, estamos vendo o quanto esses trabalhadores ficaram superexpostos aos choques."
A médio prazo, Coutrot vai além: avalia que, mais do que nunca, chegou a hora de os aplicativos de serviços se responsabilizarem pelos seus prestadores. “Nada mais justo: eles são a mão de obra dessas empresas!”, insiste.
Consolidação da economia digital
A economia digital terá um antes e um depois da pandemia, que acelerou mudanças em curso no comércio e nos serviços, com impacto no trabalho. As lojas físicas manterão sua relevância depois que meio mundo aprendeu a viver e consumir fechado em casa?
“O digital se consolidou. Houve um desenvolvimento súbito de tudo que auxilia o desenvolvimento das relações à distância”, nota L’Horty. “Veja na área da educação, por exemplo. Ganhamos uma década em dois meses. A forma de trabalhar vai mudar em muitos setores.”
Home office não é tão maravilhoso assim
O mesmo vale para o trabalho remoto, uma prática avançada em países como Holanda, mas que na maioria dos demais ainda engatinhava. “Mas atenção: temos de diferenciar entre um home office desejado e um suportado. Se o home office chegou para ficar, é preciso que os trabalhadores tenham as condições adequadas para executar suas tarefas”, sublinha o professor da Universidade Paris-Est-Marne-la-Valée.
Autor de “Libérer le travail face à l’obsession du contrôle” (Liberar o trabalho diante da obsessão pelo controle, em tradução libre), Coutrot é ainda mais cético quanto ao futuro do trabalho à distância. “Talvez as pessoas se deem conta de que o trabalho remoto não tem nada a ver com o paraíso com que elas sonhavam, de conciliação entre vida profissional e a pessoal. Trabalho remoto é difícil: é uma pressão, um isolamento, uma dificuldade de comunicação e cooperação com os colegas. É uma situação bastante precária”, afirma.
Ele observa que, em poucas semanas, as empresas já constatam o aparecimento de problemas de saúde física e mental dos funcionários que estão em casa devido à pandemia – um problema que só tende a aumentar.
“O controle do empregador é ainda mais acirrado quando os empregados estão à distância. O trabalhador fica conectado em tempo integral no sistema da empresa. os chefes podem saber o que cada um está fazendo em tempo real”, frisa Coutrot. “Além disso, é uma situação que limita a autonomia, a criatividade, a possibilidade de tomar um tempo para conversar com os colegas sobre assuntos não diretamente ligados ao trabalho, mas que propiciam novas ideias e soluções.”