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Home office pode dar fôlego às lojas de bairro

Essa pode ser a nova estrutura do varejo, depois de uma pandemia que mudou hábitos de consumo e até a gestão de empresas

Nem é preciso de pesquisa para constatar que o pequeno comércio foi o que mais sofreu com a pandemia do novo coronavírus. Basta andar pelas ruas e verificar.

Após meses sem faturar e com a clientela com medo de sair de casa, o fôlego financeiro, para quem sobreviveu, ficou restrito à venda on-line e ao delivery.

Quase dez meses depois de mudanças abruptas no modo de vida das famílias e até na gestão das empresas, é justamente o pequeno comércio que pode sair ganhando.

Especialistas em varejo acreditam que uma boa parte das empresas deve aderir ao home office, mesmo depois do controle da covid-19.

A lógica é a seguinte. “Se as pessoas ficam mais em casa, elas utilizam o comércio e os serviços do bairro”, afirma Fábio Pina, economista da Fecomercio SP.

Se um funcionário trabalha bem de casa, como se estivesse no escritório, há economia de transporte, energia, alimentação e, principalmente, tempo. Enfim, bom para todos.

Está se abrindo, assim, uma oportunidade para o comércio de bairro, principalmente em grandes cidades, como São Paulo, na avaliação de vários especialistas em varejo.

Regiões tradicionais de comércio próximas de escritórios, como as avenidas Paulista, Brigadeiro Faria Lima e Luís Carlos Berrini, deverão, diz Pina, ter menor fluxo de gente.

“Nessas áreas, há muito comércio de oportunidade para atender o público que sai para trabalhar, almoçar. Com o home office, a demanda se desloca”, diz.

“Em vez de ir para a casa somente para dormir, o trabalhador fica no bairro, o que pode favorecer o consumo local”, afirma Douglas Formaglio, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

E este fenômeno já está visível, de acordo com economistas, nos dados que detalham o consumo das famílias.

Em outubro, as vendas em supermercados e hipermercados estavam 6,8% maiores do que a média de vendas entre janeiro e fevereiro deste ano, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC).

No caso de outros produtos, as altas são de 22,4% para material de construção, 20% para móveis e eletrodomésticos e de 14,5% para artigos de uso pessoal e doméstico.

Outros setores do varejo que dependem mais da saída de pessoas de casa, como combustíveis e vestuário e calçados, já registram queda de vendas no período, de 4,9% e 3,9%, respectivamente, no período.

CONVENIÊNCIA

“Existe, sim, a possibilidade de o comércio local tirar proveito do deslocamento da circulação de corredores empresariais para os bairros”, afirma Fábio Bentes, economista da CNC.

É claro que a competição no ambiente digital, de acordo com ele, é muito mais difícil e desigual com os grandes players, que têm foco no preço.

A carta na manga dos pequenos, portanto, diz Bentes, é o efeito conveniência.

“Às vezes o consumidor prefere pagar um pouco mais para comprar algum produto do lado de casa do que atravessar a cidade para economizar alguns trocados.”

FOCO NA DEMANDA LOCAL

Os pequenos comerciantes, de acordo com Bentes, vão conseguir sobreviver com a venda de produtos mais personalizados e adaptados à demanda local.

Essa seria uma tendência para a nova estrutura do varejo, após a pandemia que paralisou e mudou os hábitos e o estilo de vida das pessoas no mundo.

“Não adianta tentar competir com a venda de smartphones, mas, sim, com produtos mais adequados ao perfil da clientela próxima”, diz Bentes.

No bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, por exemplo, há uma concentração de população idosa.

“O comerciante dali tem de estar atento para vender para este público”, diz Bentes.

Em Perdizes, em São Paulo, alguns lojistas já se beneficiam do movimento de compra do lado de casa, como a Eleninha Armarinhos, há 28 anos no bairro.

Desde a reabertura do comércio, Vanisa Pereira de Souza, sócia-proprietária do armarinho, só viu a clientela aumentar.

Hoje, pelo menos 30 pessoas passam pela sua loja todos os dias.

“As pessoas estão mais em casa e, para se distrair, decidiram fazer mais tricô e crochê. Não tenho mais estoque de linha, agulha e lã”, diz.

Ainda assim, Vanisa sente falta dos clientes que apenas trabalhavam nos escritórios espalhados pelo bairro. “Esses sumiram e nem sei se voltam”, diz.

COMÉRCIO ELETRÔNICO

Apesar de os especialistas estarem enxergando oportunidades para o pequeno comerciante, eles reforçam que o e-commerce tem de fazer parte do negócio.

Afinal, a venda on-line conseguiu manter muitas lojas funcionando mesmo nas fases mais restritas de circulação de pessoas nos shoppings e nas ruas.

No Estado de São Paulo, de acordo com Pina, o e-commerce tinha uma participação de 2,9% em relação ao comércio em geral, subindo para 3,8% em poucos meses.

“Quem sobreviveu a esses quase dez meses de pandemia e se adaptou às novas condições de trabalho, vai sair mais fortalecido”, diz Formaglio.

É bom lembrar também, dizem os economistas, que o auxílio emergencial deve acabar no ano que vem, com impacto negativo no consumo.

“O comércio como um todo depende de emprego, renda e crédito. Se aumentar o desemprego, o consumo fica comprometido”, diz Pina.

A CNC projeta crescimento de 2,3% no volume de vendas do varejo neste ano e de 4,2% no ano que vem, com base na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do IBGE.

Este aumento de 4,2% está baseado no crescimento de 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto), projetado pelo relatório Focus do Banco Central (BC), e na baixa taxa de juros.

Se esses números vão ou não se confirmar, é difícil dizer, ainda mais neste momento em que o mundo e o Brasil registram aumentos de casos e mortes por covid-19.

Para manter dados atualizados sobre o setor, as 15 distritais da ACSP estão trocando informações diariamente sobre os negócios por meio do WhatsApp.

Há grupos com mais de mil lojistas trocando informações para melhorar a oferta de produtos e as vendas neste final de ano.

O próximo evento do grupo, promovido pelo Conselho de Varejo da ACSP, será a 2ª edição da Sampa Week, que acontece de 23 a 31 de janeiro.

O objetivo é aproximar os lojistas e estimular as vendas do comércio paulista em um momento em que o consumo é geralmente mais fraco.

O Sebrae também criou a campanha “Compre do Pequeno”, com o objetivo de incentivar o consumo dos pequenos negócios neste final de ano.

Agora é aguardar para ver se a população se sensibiliza e as perspectivas dos especialistas na linha “chegou a hora e vez dos lojistas de bairro” se confirmam.